sábado, 16 de maio de 2015

Amor em camadas.


 
Bem dizem que não se escolhe amar. O amor brota como erva daninha. Mesmo que não se queira, pague jardineiro, ponha inseticida, teima e brota.

Ufa!

Em vários níveis se manifesta. O de mãe creio que é o maior exemplo. O dos parentes, amigos e companheiros vibram em outra frequência. Uma talvez mais branda quando se vive com respeito ao próximo, aos animais, plantas e lugares compartilhados.

Quando criança somos mais transparentes deixando fluir livremente o que sentimos. Vamos crescendo e os conceitos  que vão nos ensinando, as situações que vivenciamos normalmente  vão nos endurecendo, muitas vezes apagando a chama linda do amor.

Não, ela não some. Mesmo que se queira eliminar.

Tenho tido oportunidade de vivenciar vários graus deste sentimento ao longo do meu meio século e ainda me surpreendo com minhas reações.

Por mais dura que imponha, meu olhar me entrega. Fico agoniada quando a raiva em uma situação impera no momento e sou grata que não perdura.

Mais de uma vez me senti fora do mundo por ver o lado bom das pessoas, inclusive das "declaradamente" ou "rotuladamente" ruins.

Constatei várias vezes que esse meu lado mais me prejudicou do que ajudou. Sou transparente no olhar e ponto final.

Aceito que não guardo rancor e com certeza é uma forma de amor.

E, hoje, na concepção atual neste mundo, chego a pensar que não é qualidade.

Não sou burra e vejo a Lei da Vantagem prosperar. Que se puder tirar vantagem do bobo ou boba cidadão não há hesitação.

Como sempre escreve um colega "Só observo..."

Enfim, sei que não vou mudar. É da minha essência.

Tive a certeza disso revendo fotos minhas desde criança. O olhar transparente e crível.

Ontem, foi outro exemplo, no modo negativo. Fiquei muito mau por constatar que fiquei com raiva de uma situação vivida no trabalho com uma pessoa que vive nas ruas e que se droga. Sempre opto por solucionar na paz e conversar nestas situações, objetivo que não pode ser alcançado. Em plena 6:29h da manhã o problema surgiu no balcão da lanchonete. Conversa vem, conversa vai, acordo nenhum, salão lotado e mãos atadas. Chamei a segurança que quando chegou não resolveu de imediato. Ou digamos, paliativamente, pois não permaneceu no local. Assim que partiu a pessoa problema voltou. Uma vez, outro chamado, outra solução parcial, outra vez, outro chamado... Cansada, vendo a pessoa ir abordar os clientes nas mesas fui ate ela argumentar. Fui falando educadamente que ele tinha sido bem tratado, tinha ganho comida da empresa, de outros clientes (essa é outra história...) e que se ele poderia ir embora (não falei do cheiro terrível que ele exalava, pois não teria como, geraria mais problema...). Não fiz mais que uma pessoa educada e paciente faria. De repente, ele que se fazia de bobo falou que tinha obrigação de dar as coisas para ele e me empurrou!

Tá, eu sei que se ele fosse normal, não viveria na rua e nem escolheria esta opção.

Não revidei, recuei, deixei ele no salão e chamei a policia.

Acabou tudo bem. Mas apesar de ler nos olhos dele a indiferença, o simplesmente o nada, saber que minha reação foi de raiva, indignação, medo e vulnerabilidade. Por uns instantes senti e queria o fim dele.

Mas quando a policia chegou e perguntou se eu queria que "dessem um pau nele", porque ele vivia atormentando os estabelecimentos, que ele era louco e não dava para prever a reação. Fiquei estarrecida e ao mesmo tempo não quis essa solução. Não é esta a solução. É um ser humano.

Muito confusa e nervosa fiquei o dia todo. Ainda estou com misto de pavor e amor ao próximo.

Puxa, tem que ter uma solução para isso, e não é a violência.

Não vou ser eu a autorizar. Mas por ser assim sei que outras situações vão ocorrer e minha voz interior vai falar mais alto.

Uma terapeuta um dia me falou que "Quanto mais a gente se abaixa mas chutam o nosso traseiro".

Não concordei com a crueza da frase. Porém é o que se percebe vendo os jornais e convivendo atualmente neste mundo.

Chego a ter dúvidas se nasci na época ou no planeta certo. Me sinto uma ET.

Voltando ao ponto, sempre tive este sentimento, nunca eu distingui ninguém por credo, classe e crença.

Já endureci o coração para me esconder dos meus sentimentos. Porém sou grata por não conseguir manter a farsa.

Vendo minhas fotos desde pequena, analisei tudo que vivi, obtive certezas e deixei coisas para lá. Mantive as boas. Reconheci sentimentos perdidos e achados. Vi que todos tem lugar e tinham que ter acontecido e acontecer. Uns as chaves dos baús puderam ser fechadas, outros não vão ser fechadas nunca, tenho certeza.

Mesmo hoje que o rapaz drogado voltou sem estar drogado, não fez nada, não me arrependi de não ter autorizado violência.

Espero estar certa. Sou coração e amor e não vou mudar.

 

Sandra Lazzaris